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A OBRA COMO PASSAGEM

Eduardo Passos 

 

É certo que em artes plásticas a obra é ocasião para o êxtase do sentido. Experimento o que só pode ser visto , fruindo desse entusiasmo estético que concentra o espírito no que é sentido. Sou, naquele instante do olhar, todo pensamento, memória, linguagem e inteligência do sensível. A obra de Eduardo Frota tem o mérito de propor essa vertigem. Neo-copernicana, ela me descentra do eixo do discurso, me faz pensar lá onde menos me lembro que sou. Pelo olhar penso por coisas. E que coisas são essas? Questão que não se resolve enquanto dura a experiência estética. Porque a obra como que se invisibiliza na ilusão da sua presença: ela está lá no espaço indecidível do limite. Os trabalhos de Eduardo sempre estiveram nesse lugar instável do objeto - quase-escultura, quase-pintura, eles parecem garantir a sua existência só porque neles insiste uma vontade de matéria: ser cor e ser plano. Mas o que se constrói com esses elementos exige para si um mínimo de definição - um mínimo desbastando os obstáculos ao puro exercício do olhar, incitando à deriva do olho que segue livre como órgão do sentido. Por isso a obra é lugar de um duplo desequilíbrio. De princípio, desequilíbrio perceptivo na forma da ilusão geométrica. Mas, poderoso, o objeto na sua concretude e pelos seus atributos sensíveis faz-se experiência do espírito, se sublima, quando, desavisado, "percebo" o desequilíbrio estético na forma do indecidível do lugar da obra. Nem pintura, nem escultura, nem desenho, a obra é passagem. Por um instante (aquele da contemplação) sou iluminado pelo seu segredo. Passo por entre seu ser para através vê-la. Do volume da escultura à superfície da cor até o traço, eis que ela emerge dessa travessia cujo último momento é o do desenho, lugar virtual onde a obra lateja. O corte na madeira é a estratégia do artesão para a partir do volume atingir esse traço virtual que está presente em ausência como um segredo visível. Mas é também o traço que faz com que a obra pre-figure, lançando-se para fora dos quadros da representação, resolvendo plasticamente um desejo de velar-se. Pois resistindo à obscenidade do espetáculo, ela se oculta, se contorce, resguardando o seu segredo. Um segredo que é a um só tempo de cor e de plano - cor que surge pelo esgarçar do plano e por isso mesmo monocromática. Plano que se pinta, pois não é suporte de pintura e sim universo. A cor é para ele atributo essencial: cor intrínseca que dá a pele aquecida da obra, que faz com que ela exista e respire no seu ser virtual e sensível. 

 

IAB – RIO DE JANEIRO/RJ – 1991

EDUARDO PASSOS

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